DINHEIRO PARTICULAR NA CIDADE DE TAQUARA EM 1900

 

 

Claudio Schroeder

 

Comunicação apresentada no Raízes de Taquara - XIX Encontro dos Municípios Originários de Santo Antônio da Patrulha, ocorrido em Taquara/RS entre 28 de março e 02 de abril de 2008 sob a coordenação da Secretaria Municipal de Educação e Cultura.

 

 

 

Por “dinheiro particular” entendem-se fichas, metálicas ou não, emitidas por particulares, por estabelecimentos comerciais e por industriais e mesmo por autoridades públicas para suprir a falta momentânea de troco no meio de seus empregados, mas que muitas vezes passam a ter aceitação entre a população em geral e as vezes em outra região.

 

A ciência que estuda as moedas é conhecida como Numismática. Em Taquara, existe um Clube Filatélico e Numismático. O mesmo realiza, reuniões mensais e um encontro nacional de colecionadores de moedas e de cédulas. Para outras informações segue o site do clube: www.cfnt.org.br. Além de incentivar o colecionismo de moedas e de cédulas, o site apresenta uma coleção de fotografias antigas de Taquara. O objetivo dessa coleção é divulgar, com a facilidade que a Internet possibilita, imagens relacionadas com a história da cidade e da região originadas de diversas fontes. A coleção virtual é composta por cartões postais, por fotos, por ilustrações, por documentos e por demais objetos que estão constituindo uma "Iconografia Taquarense" ordenada por data. Com esse proceder, o Clube divulga o acervo do colecionador e evidencia a importância social de colecionar.

 

A emissão de dinheiro particular é proibida por lei, mas foi muito utilizada no passado e ocorre, ainda hoje, sempre que falta dinheiro oficial numa região. Os exemplares, confeccionados em diferentes tipos de materiais, circulam com um valor predeterminado pelo emissor e pelo comércio local. O emissor geralmente é um comerciante de boa reputação e com crédito na localidade. O período dessa circulação é semelhante ao período de escassez de dinheiro oficial. Com a reposição do dinheiro oficial, pelo governo, a moeda particular perde o valor sendo recolhida pelo emissor num prazo determinado. Os usuários desse dinheiro, comerciantes e consumidores, agem com rapidez para realizar a troca dos exemplares com o emissor, moeda particular por moeda oficial, objetivando não ficar com prejuízo.

 

Moeda particular é um assunto que a população conhece na prática. O estudo numismático dessas peças é extremamente difícil. Isso porque, hoje em dia, só existem os exemplares sem registros históricos sobre o emissor, sobre o total emitido, sobre o período de circulação e etc.

 

A numismática faz a sua parte recolhendo as peças como objetos monetiformes, mas a história da maioria e sua ligação com o meio circulante ainda está em aberto. A pouca informação hoje conhecida foi transmitida oralmente, o que dificultará ainda mais as pesquisas no futuro. Além de citações em antigos catálogos e livros de numismática, os registros impressos dessas moedas estão nas notícias do comércio e da industria publicadas nos jornais de cada região. Aqui surge outro problema, as coleções desses jornais estão em acervos distribuídos por vários museus e bibliotecas, geralmente não sendo séries completas. Em suma, ainda falta verificar muita coisa. Solicito auxílio para registrar a história desses exemplares de “dinheiro” ligados com a cidade de Taquara e seu comércio por volta do ano de 1900.

Essa prática, emitir moeda particular, foi usada em várias Províncias do então Império do Brasil, levando o governo a criar uma comissão de inquérito encarregada de verificar as emissões abusivas, ilegais ou criminosas. No relatório de 1859, está descrito o número de vales e bilhetes usados por fazendeiros e companhias particulares em diversos lugares. Nesse mesmo relatório, é demonstrada a utilização de bilhetes de ônibus e barcas, apesar de, muitos deles apresentarem a indicação “Não é Trocavel” ou “Sem valor para Troco”. O abuso chegou a tal ponto que as próprias municipalidades emitiram títulos ao portador. Os constantes avisos do governo pedindo a seus delegados estaduais providências a respeito só surtiram efeito depois da lei de 31 de Dezembro de 1898 que proibia a circulação desses bilhetes e títulos, mas principalmente depois que o governo mandou cunhar maior quantidade de moeda de níquel e cobre. (Nilza Botelho, Contribuição ao estudo da moeda fiduciária no Brasil emitida pelos particulares, Revista Numismática, São Paulo, Sociedade Numismática Brasileira,1946).

 

Cito alguns exemplos de moedas particulares aqui do estado: Brizoleta; fichas de Bonde da Carris; além de outros mais recentes como o vale refeição (agora substituído por  cartão magnético) e o vale transporte. Todos esses foram aceitos no comércio como se fossem moeda oficial.

 

Para auxiliar nos registros futuros informo alguns tipos de objetos que podem ser classificados como dinheiro particular sendo fundamental comprovar o valor circulatório.

 

A)    Fichas de Consumo. Troca-se o dinheiro legal num determinado local recebendo-se fichas para serem gastas.     

B)     Fichas de Trabalho. Recebiam fichas pelo trabalho feito. Essas poderiam ser trocadas por mercadorias.

C)    Contramarcas particulares. Marca posta na moeda legal, em curso ou desativada, que voltava a circular com novo valor.

D)    Moeda Fiduciária Particular. Vales impressos emitidos por particulares, por comerciantes, por industriais, pelo Município e pelo Estado. 

 

            O dinheiro particular na cidade de Taquara circulou por volta do ano de 1900  no comércio junto com o dinheiro oficial da época. Consegui registrar exemplares de metal e papel emitidos por comerciantes de origem germânica.

 

Moeda Metálica Particular de Taquara. Localizei um exemplar que está ligada ao nome da família Korndörfer, imigrantes germânicos que aportaram no Brasil em 1827.

 

Pelo histórico da família e pela legenda da moeda, o responsável por essa emissão possivelmente foi Heinrich Martin Korndörfer, nascido em 1868 e falecido em 1940. Heinrich, filho de Wilhelm Korndörfer e Sofia Elisabeth Krumenauer, foi comerciante em Taquara entre 188? e 190?  trabalhando com o nome de H. M. Korndörfer. Foi casado com Leopoldina Jung.

 

O processo de confecção de “moeda particular” deveria ser prático e de baixo custo, pois a sua utilização era temporária. Conheço exemplares impressos em papel e em cartão e   exemplares cunhados ou estampados em prata, em cobre, em latão e em metal branco.

 

A moeda da firma H M Korndörfer foi elaborada por estampagem de uma fina folha de cobre num molde com as legendas e o valor. Com esse processo o reverso da peça mostra os dizeres impressos ao contrário. Essa confecção “por estampagem” produz um exemplar mais simples com custo mais baixo se comparado com a confecção de uma moeda pelo processo de cunhagem o qual necessita de um disco mais espesso. A durabilidade da peça estampada é menor, ocasionando a perda da moeda devido a qualquer dano na fina folha de metal. Isso explica a raridade desse exemplar, que foi produzido em cobre.

 

Tenho registro dos seguintes exemplares:

 

Vale em réis de H M Korndörfer 189?, de Taquara, RS.

500 réis. Cobre, 33 mm, uniface. Na legenda ao redor acima H. M. KORNDÖRFER, abaixo TAQUARA. Separadas por dois conjuntos de três estrelas. No centro em três linhas VALE/500/RÉIS, dentro de um círculo. Citada por Ludolf, n 604, na coleção do Museu Histórico Nacional, Rio de Janeiro.

200 réis. Cobre, 32 mm, uniface. Na legenda ao redor acima H. M. KORNDÖRFER, abaixo TAQUARA. Separadas por dois conjuntos de uma estrela. No centro em três linhas VALE/200/RÉIS, dentro de um círculo. Exemplar na coleção de Ana Lúcia Schweitzer, Taquara.

Vide ilustração 1.

 

Papel Moeda Particular de Taquara. Localizei dois exemplares que constam no livro  A Moeda Fiduciária no Brasil. 1771 até 1900, editado em Zurich em 1903 e reeditado em 2006 pelo Museu de Valores do Banco Central. Esse é o 3º volume do estudo O Meio Circulante no Brasil 1645-1900 de Julius Meili (1839/1907). No capitulo “Vale de Companhias e Particulares” está registrado o que segue:

 

Nº 1413 Vale, papel fino, de Guilherme Lasch no valor de 100 réis.
Da localidade de Rio da Ilha, Taquara do Mundo Novo.
Impressor: LITH. A ENGEL.
Estampa preta, fundo branco; no verso estampa azul claro.

Vide ilustração 2.

Guilherme Lasch, natural da Pomerânia, foi casado com Maria Elisabeth Wagner.

 

Nº 1492 Vale, cartão, de F. G. Bauer no valor de 200 réis.
Da localidade de Taquara.
Impressor: LITH. IGNÁCIO WEINGÄRTENER – P. ALEGRE.
Estampa preta, fundo branco; no verso propaganda da casa emissora em vermelho.

Vide ilustração 3.

Meili descreve ainda exemplares com valores de 100 e 500 réis.

 

Esses sobrenomes ainda são encontrados na região. Numa busca na Internet localizei  no site www.colono.com.br/asp/fauth09.asp o que segue: Frederico Guilherme Bauer, nascido em Taquara 10/06/1870, falecido em 01/08/1914. Casado com Liduina Fauth nascida em 27/06/1871 falecida em 10/03/1914. (filha de Jorge Fauth e Carolina Schweitzer). Tiveram os filhos Timóteo Lotário Bauer e Neli Lúcia Bauer. Será que essa família é a responsável pelo vale acima? 

 

São esses os registros que conheço. Além de divulgar a numismática com essas linhas, gostaria que os leitores que possuem outros detalhes sobre a história desses e de outros exemplares entrassem em contato com o Clube Filatélico e Numismático de Taquara.

 

O preço das coisas no passado. No tempo do início da colonização alemã no estado, a terra se valorizou com o esforço do colono. Pouco antes da fundação de São Leopoldo, (1825) os terrenos na região valiam 50$000 réis e trinta anos mais tarde estavam avaliados em 1:500$000 réis. O território da Colônia estava avaliado em 1:882:500$000 réis. 

Consta que a colônia de Mundo Novo fora uma antiga sesmaria, concedida em 1814, a Antônio Borges de Almeida Leães. Sua viúva Libania Correia Leães, em 1845, vendeu, por 9:000$000 réis, essa fazenda a Jorge Eggers e Tristão José Monteiro, em sociedade. Logo após Eggers e sua esposa Margarida, venderam a Tristão Monteiro, por cinco contos, não só a parte que lhes correspondia, como terras adjacentes que tinham comprado a André Manique e sua esposa. Único proprietário dessas terras Tristão Monteiro tratou de colonizá-las em 1846. Mundo Novo prosperou grandemente dando origem ao importante município de Taquara.

           

Em 1852 se gastava 6$000 réis para assinar semestralmente o jornal alemão Der Colonist editado em Porto Alegre por Afonso Mabilde. Esses valores devem ser lidos da seguinte forma: 1$000 = mil réis e 1:000$000 = Um conto de réis. Que conta deve ser realizada para atualizar essas quantias para o dinheiro atual? Mas, antes disso, se tens vontade de conhecer esse dinheiro antigo participe do encontro mensal de colecionadores de moedas do CFNT nas dependências do Clube Comercial de Taquara.

 

 

 

Ilustração 1: Moeda de 200 Réis, de H M Korndörfer

 

 

 

Ilustração 2: Vale em papel de 100 Réis, de Guilherme Lasch

 

 

 

Ilustração 3: Vale em cartão no valor de 200 Réis, de F. G. Bauer

 

 

Ilustramos alguns exemplares de vales relacionados com o nosso estado. Os quatro superiores elaborados por estampagem; sendo 3 em latão e somente o de Taquara em cobre. Os abaixo são exemplares cunhados em metal branco. Veja a imagem das moedas em:

 

 http://www.cfnt.org.br/imagens/moedastaq.jpg